A medição dos riscos é um dos principais elementos formadores de um plano de negócios bem sucedido. Tratar dos riscos conhecidos e dos conhecíveis (riscos desconhecidos, mas previsíveis) em um plano de negócios é fundamental para o estabelecimento de qualquer negócio ou empreendimento, já que os investidores precisam conhecer quais as circunstâncias de mercado trarão (ou não) o desejado objetivo desse empreendimento: o lucro.
De tal modo, cumpre ao empreendedor conhecer todos os custos e as adversidades de um determinado segmento de mercado; após isso compila-los e determinar as medidas necessárias para se proteger dos seus efeitos e sobrepuja-los para alcançar o sucesso. E, veja-se, que é necessário conhecer tais riscos, ou, ao menos observá-los se forem previsíveis.
No Brasil, um dos principais pontos de riscos para o empreendimento é o Estado: o empreendedor não consegue ter certeza dos movimentos do Estado em relação às suas atividades. Ora é favorável, ora é desfavorável, e isso é direcionado pelos ventos dos humores das autoridades da vez.
Nem entraremos na discussão da enorme “quebra” da segurança jurídica proporcionada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu que suas decisões prevalecem, mesmo retroativamente, em casos antigos em que haja ocorrido a consolidação do fenômeno jurídico do “trânsito em julgado” (decisão definitiva e imutável, da qual não cabe mais recursos) nas matérias tributárias. Essa absurda decisão é só a ponta mais alta de um iceberg de insegurança jurídica em nosso país.
Vamos mais abaixo, em casos tributários corriqueiros do dia-a-dia do contribuinte: no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão recursal administrativo da Receita Federal do Brasil (que julga os recursos interpostos pelos contribuintes contra ações da Receita Federal), a mesma matéria julgada tem entendimentos diferentes dependendo do período de seu julgamento. Para exemplificar, recentemente foram publicadas no mesmo dia (22/02/2023) duas decisões sobre o mesmo assunto, mas cada uma contendo direções diversas no plano decisório, dependendo da data de julgamento:
O assunto comum é a incidência (ou não) de contribuição social previdenciária sobre o pagamento do chamado “bônus de contratação”, ou hiring bônus a um determinado funcionário. Pois bem, em AGO/2022, no julgamento do processo 16327.001666/2010-12, o Carf entendeu que “Não integra o conceito de salário-de-contribuição os valores pagos à título de bônus de contratação (também denominado de “luvas” ou “hiring bonus”) quando não restar demonstrado que foram pagos em decorrência da prestação de serviço”, quando ocorrer por força de uma avença anterior à contratação, como uma premiação na busca de profissionais singulares. De outro lado, alguns meses depois, em FEV/2023, o mesmo Carf, no julgamento do processo 16327.721550/2020-75, entendeu que “Os bônus de contratação pagos a empregados têm natureza salarial por representarem parcelas pagas como antecipação pecuniária para atrair o empregado, ainda que seja disponibilizada ao beneficiário em parcela única, há a necessidade da prestação de serviço para que o valor incorpore-se ao seu patrimônio. Possuindo os bônus de contratação pagos a empregados caráter remuneratório, a incidência das contribuições previdenciárias dá-se na data do pagamento.”
Veja-se que, o mesmo assunto, em casos idênticos, tem dois entendimentos possíveis, emitidos pela mesma autoridade tributária. Isso gera, por óbvio, uma clara insegurança jurídica a qualquer empreendedor, pois o mesmo não sabe o que faz: incluir ou não o tal bônus na base de cálculo da contribuição social previdenciária? Se incluir terá uma cobrança majorada (logo, com um lucro menor) sobre a contratação de um funcionário, e se não incluir, poderá estar sujeito à imposição de sanções pecuniárias posteriores pela autoridade fiscal.
Veja-se que o cerne da questão não é pagar ou não o tributo, mas a previsibilidade, conhecer as regras do jogo de antemão para se planejar e buscar o sucesso do empreendimento.
O grande problema do Brasil é que, quando se trata da relação entre o empreendedor e o Estado, não há previsibilidade, nunca há certezas sobre o que, quando e como fazer. Inclusive, para se elidir as incertezas desse nível o contribuinte acaba sendo obrigado a se valer do Poder Judiciário para tentar se proteger (o que também acaba gerando uma incerteza, como visto anteriormente, além de sobrecarregar o mesmo com mais e mais processos sobre assuntos que poderiam ter sido resolvidos na esfera administrativa).
Segurança e previsibilidade são essenciais para que haja um ambiente econômico estável. O empresário quer e precisa conhecer os diversos elementos que compõem os riscos de sua atividade e cabe ao Estado promover tal estabilidade com uso de suas ferramentas jurídicas, econômicas e sociais a ele disponíveis. De tal modo, a conclusão lógica é a de que é necessária uma profunda reforma estrutural em nosso sistema jurídico como um todo, e especialmente na esfera administrativa tributária, determinando-se institutos mais sólidos que representem segurança nas atuações e decisões fiscais, principalmente quando atinjam os interesses do contribuinte.