Na noite do último dia 4 de junho de 2024, o Governo Federal, em edição extraordinária do Diário da União, publicou a Medida Provisória (MP) n. 1227/2024, denominada “MP do Equilíbrio Fiscal”, arquitetada como forma de compensar a arrecadação em razão da manutenção da desonaração da folha salarial pelo Congresso Nacional. Conforme o argumento depois exposto pelo Governo, a MP em questão corrigiria distorções do sistema tributário nacional sem aumentar a carga tributária das empresas. Tal argumento é uma falácia e a MP foi editada sem a parte das motivações ou justificativas relacioadas a sua fundamentação.
Em resumo, como está expresso no próprio texto da MP 1127, o Palácio do Planalto impôs sérias restrições aos contribuintes, afetando em especial os produtores rurais e a agroindústria, mas não só. Os três principais pontos de afetação da MP são:
- aumento da burocracia e imposição de novas condições para fruição de benefícios fiscais;
- delegação da competência de julgamento de controversias envolvendo o Imposto sobre Território Rural (ITR) da União para os Municípios e Distrito Federal mediante estabelecimento de convênios; e
- imposição de vedações à utilização de créditos de PIS/COFINS não cumulativos em compensações e restrição de pedidos de ressarcimento.
Benefícios fiscais: criação de burocracias como condição de fruição
Duas novas restrições em relação aos benefícios fiscais concedidos às empresas pela União foram criadas, a saber:
1ª) necessidade de entrega de declaração eletrônica. Houve a criação de mais uma obrigação acessória para aqueles que usufruem de benefícios, que é a entrega de declaração eletrônica à Receita Federal do Brasil (RFB) indicando o valor e o tipo de incentivo, renúncia ou benefício fiscal, como isenções ou imunidades de natureza tributária que usufruir. No caso, todo contribuinte que possui o direito a algum tipo de isenção ou imunidade, redução de alíquota ou base de cálculo, crédito presumido ou suspensão do pagamento de tributos federais, deverá declarar tais informações dentro do prazo e formato a ser regulamentado pela RFB, sob pena da imposição de sanções, para poder continuar usufruindo tais benefícios.
2ª) Imposição de novas condicionantes. Foram criadas novas condições para fruição dos benefícios fiscais. Dentre elas: (i) situação de adimplemento de tributos e contribuições federais; (ii) inexistência de inscrição no Cadin; (iii) situação de adimplemento junto ao FGTS; (iv) inexistência de sanção decorrente de atos de improbidade administrativa, penas de interdição e por atos lesivos à administração pública nacional ou estrangeira, de natureza ambiental; (v) necessária adesão ao Domicílio Tributário Eletrônico – DTE; (vi) regularidade cadastral.
Mudanças na gestão dos créditos de PIS e COFINS não cumulativos
Créditos de PIS/COFINS não poderão ser usados em compensação com outros tributos administrados pela RFB (a chamada “compensação cruzada”).
Atualmente, era permitida a compensação cruzada de tributos administrados pela RFB. A partir da MP 1227, não poderá haver compensação de créditos de PIS/COFINS com outros tributos administrados pela Receita Federal. Assim, créditos acumulados de PIS/COFINS que podiam ser utilizados para compensação com IRPJ e outros tributos, a partir da edição da MP, só poderão ser utilizados para compensar com débitos destes mesmos tributos.
Além disso, os créditos presumidos de PIS/COFINS referidos expressamente na nova legislação não poderão ser ressarcidos pela RFB.
Os créditos presumidos de produtos agropecuários (a MP altera também outros setores econômicos) não
poderão ser objeto de ressarcimento no caso de cumulatividade. São eles: (i) carne bovina; (ii) carne suína e de aves; (iii) miúdos animais e linguiças; (iv) gorduras – animal e vegetal; (v) leite; (vi) insumos agropecuários; (vii) produtos hortícolas (batata, tomate, feijões, cebola, mandioca, etc), frutas; (viii) café; (ix) laranja; (x) derivados de soja, (xi) cana-de-açúcar, entre outros.
Todas essas mudanças foram realizadas por meio de supressões e revogações específicas nos artigos previstos nas Leis nºs 10.925, 12.058, 12.350, 12.599, 12.794, 12.865.
Tais restições operadas nas compensações e nos ressarcimentos trarão fortes impactos no planejamento tributário e no fluxo de caixa dos contribuintes, já que os referidos créditos não podem mais ser usados para compensação com outros, assim, o pagamento de outros tributos administrados pela RFB deverá ser arcado não mais via compensação de crédito de PIS/COFINS, mas sim com o dinheiro em caixa do contribuinte.
Além do mais, haverá grande resíduo tributário em várias cadeias agropecuárias. No caso de acúmulo de crédito presumido (como ocorre com exportadores ou culturas de cadeias curtas), o contribuinte não poderá contar com respectivo ressarcimento, em razão da nova restrição imposta na MP 1227, aumentando o seu custo tributário que, por sua vez, irá impactar diretamente no preço dos produto ao consumidor final.
Nosso posicionamento
Em nossa opinião, analisando o texto em tela, a proposta do Governo Federal apresenta duas inconstitucionalidades expressas e uma inconsistência formal: fere o princípio
constitucional do direito ao crédito aos exportadores nas contribuições sociais (Art. 195, § 12), em razão da não cumultividade dos tributos PIS e COFINS; fere também o princípio da anterioridade da lei e, com isso, o da não surpresa, pois acabou com todo o planejamento tributário dos contribuintes durante o ano fiscal, de surpresa. Além disso, o Governo não justificou as alterações no teor da MP, elemento fundamental para a realização das alterações via instrumento de Medida Provisória, que possui, conforme o seu regulamento constitucional, a condição da urgência e necessidade, tendo em vista que cerceia o direito de o Congresso Nacional propor a material legal e tributária.