Por Santiago Fernando do Nascimento – Diretor Geral de Operações.
Transcorridos mais de vinte anos de projetos e discussões, um velho assunto – tão debatido no Brasil -, ainda não foi colocado em prática pelos governos: a Reforma Tributária. É de conhecimento geral da população brasileira que a carga tributária nacional é uma das mais altas do mundo, além de termos um dos maiores e mais complexos rol de obrigações acessórias (segundo dados do Banco Mundial, gasta-se no Brasil cerca de 1.958 horas por ano para cumprimento das obrigações tributárias acessórias, o que representa o comprometimento de cerca de 1,5% do faturamento anual das empresas no Brasil para este fim).
O mais intrigante de tudo isso é que a enorme arrecadação do erário nacional acaba não representando melhorias significativas à vida e ao bem-estar geral da população, em especial, os mais necessitados, o que significa que algo não está certo na matriz tributária nacional.
Conceitualmente, sem adentrar em formalismos técnicos ,”tributo” é aquela parcela de contribuição econômica que o particular deve prestar à sociedade: aquele que pretende viver em sociedade e usufruir dos seus benefícios (tais como a segurança em geral, por exemplo), deve destinar uma parcela de seus ganhos ou patrimônio ao Estado, que, em tese, irá proporcionar ao cidadão essa prometida proteção (a proteção social). A partir desse conceito, inúmeras regras são formadas no ordenamento jurídico, visando proteger tanto o pagador de tributos, quanto os entes estatais, destinatários gerais dessa obrigação legal.
A carga tributária mais pesada é observada em relação às empresas e essas são as que aguardam uma solução concreta para a reforma tributária, já que, no geral só a sua tributação sobre o lucro (IRPJ, IRRF e CSLL) pode variar, dependendo do seu porte, entre 1,62% (empresas optantes pelo Simples Nacional) a 34% (empresas optantes pelo sistema do lucro real), sem contar que recolhem tributos sobre a sua produção (IPI), sobre a circulação de mercadorias (ICMS), sobre serviços prestados (ISS), contribuições sociais (Contribuição Patronal, contribuição à terceiros, PIS, COFINS), além de outras obrigações (FGTS, adicionais, CIDEs, IPTU, etc.). Podem haver tributações aduaneiras (impostos de importação/exportação) e, além disso, existem as tributações sobre as transações financeiras (IOF). Neste sentido, a carga tributária geral de uma empresa pode chegar a uma média de cerca de absurdos 48% do seu faturamento. E cada um desses tributos tem obrigações contábeis próprias, que, como antes visto, pode representar uma redução da margem de lucro de uma empresa, dada a necessidade de remunerar excelentes profissionais que deem conta de informar as autoridades sobre a realidade contábil de cada contribuinte.
A dura realidade é que o Estado, em seu sentido lato, é um sócio de fato que não está no contrato social da empresa, mas aufere a maior parte do seu faturamento sem prestar nenhuma contribuição à mesma. Por isso, é tão importante e desejada a reforma tributária.
No entanto, o que se percebe é que a reforma tributária não vem para reduzir a carga tributária geral das empresas. O fato é que os governos não se movimentam para reduzir a arrecadação pública, mas somente para unificar nominalmente certos tributos e reduzir o custo de tempo destinado ao cumprimento das obrigações acessórias. A ideia do “imposto único”, tão falada em épocas de campanha eleitoral, é somente uma bravata sem sentido, pois a Constituição Federal, desde sua formulação, determina a existência múltipla de tributos, destinados cada um a um determinado ente da federação. Portanto, somente uma gigante reforma constitucional resolveria tal situação, o que importa em uma inviabilidade completa de sua existência. De outro lado, as reformas mais prementes e visíveis ocorrem na unificação das contribuições sociais PIS e COFINS, como um único tributo e na desoneração da folha salarial, visando a melhoria de condições para a contração de funcionários para as empresas.
Ainda, há quem aposte na tributação dos dividendos pagos pelas empresas e na tributação das grandes fortunas. Sobre a primeira, realmente o pagamento dos dividendos aos sócios e investidores não é tributado no Brasil e isso ocorre pelos seguintes motivos: o primeiro, como fonte de atração de investimentos internacionais em solo nacional, já que a maioria dos demais países tributa o pagamento de dividendos; e em segundo, porque os dividendos são a distribuição da sobra dos lucros aos sócios e investidores, ou seja, o lucro bruto em si já foi tributado em momento anterior, bem como o faturamento (no Brasil, sobre o lucro incidem IRPJ, CSLL, e PIS e COFINS sobre o faturamento), de modo que, o dividendo distribuído é somente a sobra que remunera o investimento do sócio, é o retorno do capital pós incidência de outros tributos. No caso, para que houvesse a tão aclamada justiça fiscal, pela tributação dos dividendos, a matriz tributária incidente sobre o lucro e sobre o faturamento precisa ser alterada, reduzida. Para fins de comparação, nos Estados Unidos da América, a tributação média (dependendo do Estado) geral sobre o lucro varia entre 15-25% (lembrando que não existe a cobrança de contribuições sociais); então, a empresa tem duas opções: ou deixar o capital dentro da própria empresa, para fins de reinvestimento, ou distribuir os lucros e dividendos aos sócios e investidores, e, se a opção for a segunda, incidirá contra o sócio ou acionista (e não contra a empresa) uma alíquota que pode variar entre 25-35%. Veja-se que muda a visão sobre esse tipo de tributação, já que sua função não é onerar a empresa, mas possibilitar que haja capital de reinvestimento, já que a tributação principal sobre o lucro da empresa em si é menor; caso o destino dos valores de sobra de lucro seja o sócio ou acionista, esse sim arcará com a nova tributação, não refletindo sobre a empresa. No Brasil isso não ocorre, pois, como visto, a carga tributária é enorme, impondo uma redução geral no interesse de investimento caso tributados os dividendos.
O mesmo ocorre com o imposto sobre grandes fortunas: ele afasta o interesse de grandes investimentos e faz com que quem tenha grandes fortunas destine seus investimentos para locais com menor incidência tributária. E o fato é que, como tal tributo não poderia incidir sobre uma mesma base econômica mais de uma vez (dados os princípio gerais do Direito Tributário), ele não resolveria a longo prazo qualquer situação de necessidade econômica premente. Seria uma solução fugaz sem projeção de longo prazo, que traria, na realidade, um prejuízo imediato e de longo prazo pelo desinteresse de investimentos e eventual fuga de capital local.
Assim, em conclusão, os desafios dos governos estão em alinhar os interesses sociais com a promoção da economia, sem que haja redução da arrecadação. Portanto, dificilmente qualquer governo colocaria em prática uma pauta com profundas alterações no sistema tributário nacional, considerando os diversos interesses em jogo. No máximo, o que se pode esperar é que determinados tributos, tais como as contribuições sociais PIS e COFINS sejam unificadas em um único tributo, e que os tributos sobre a produção (IPI e ICMS) sejam reunidos em uma única burocracia contábil, reduzindo o tempo e os custos destinados à cumprir as obrigações legais. Então, o que se espera é que, ao menos, a burocracia seja reduzida, e que não haja aumento substancial da carga tributária.