Clinicas médicas podem estar pagando tributos a mais?

Clinicas médicas podem estar pagando tributos a mais?

De acordo com a legislação brasileira, os impostos para hospitais tem base de cálculo reduzida por prestar serviços de saúde pública. No entanto, a justiça já equiparou as clínicas médicas a serviços hospitalares, porém muitas destas empresas desconhecem de tal benefício.

Um exemplo é de uma clínica médica do Tocantins, atendida pela Valor Fiscal, que em 1 único ano conseguiu recuperar cerca de 800 mil reais de impostos federais cobrados indevidamente.

O que é o lucro presumido?

No sistema do imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ), existem três opções de tributação (que refletem também na sistemática da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL): o lucro real, o lucro presumido e o lucro arbitrado.

Quando uma empresa opta pela tributação pelo lucro presumido, a legislação presume (daí o nome “lucro presumido”), de forma fictícia, o que seria o lucro de uma determinada atividade econômica, para, então, aplicar-se a alíquota do imposto (15% e o adicional de 10% sobre o que exceder R$20.000,00 ao mês no IRPJ, e 9%, da CSLL).

A regra geral do lucro presumido é determinada pelo art.15 da Lei n. 9.249/1995, que expressa a base de cálculo do lucro presumido em 8% sobre a receita bruta auferida mensalmente, deduzidas as devoluções, vendas canceladas e descontos incondicionais concedidos.

De outro lado, para os prestadores de serviços em geral, o inc. III, §1º, do mesmo art. 15, na alínea “a”, determina o percentual de 32%, excetuando os serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico, e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas.

Veja-se que a regra em tela refere uma exceção ao entendimento sobre os prestadores de serviços em geral, firmando que os serviços hospitalares e os demais serviços auxiliares não estariam sujeitos à base de cálculo dos 32%, o que nos leva à aplicação da regra geral dos 8%.

As clínicas médicas, então, ajuizaram diversas ações buscando a equiparação à regra privilegiada destinada aos hospitais e serviços auxiliares, alegando que também prestam serviços de saúde e, diante disso, não podem ser discriminados em relação à consideração da base de cálculo da tributação do IRPJ e CSLL.

Após muitos anos de disputas e discussões judiciais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), reconheceu em definitivo o direito de as clinicas médicas se equipararem aos hospitais, por meio do Tema 217/STJ, que firmou a seguinte tese:

A questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal (STF), que, ao conhecer da questão (Tema 353/STF), entendeu que não se trata de matéria constitucional a ser discutida, mas infraconstitucional e, por isso, não julgou o caso, tornando definitiva a decisão do STJ.

“Para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão ‘serviços hospitalares’, constante do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), devendo ser considerados serviços hospitalares ‘aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde’, de sorte que, ‘em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos.”

Assim, desde que cumpridos os requisitos legais, as clínicas médicas podem se valer da redução da base de cálculo sobre os serviços médicos prestados.

Quais são esses requisitos?

A decisão do STJ, juntamente com a leitura do art. 15, inc. III, §1º, “a”, da Lei n. 9.249/1995, nos mostram quais são os requisitos:

    • Organização da prestadora de serviços sob a forma de sociedade empresária;
    • Atender às regras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); e não ser uma clínica de simples consulta médica (consultório).

    Organização sob a forma de sociedade empresária.

    A primeira exigência da lei é sobre a forma de registro da sociedade prestadora de serviços médicos: ela não pode ser uma sociedade simples, que é registrada no Cartório de Pessoas Jurídicas. Obrigatoriamente deve ser registrada na Junta Comercial e possuir a forma de uma sociedade empresária, possuindo qualquer das formas societárias, quais sejam: sociedade anônima, sociedade de responsabilidade limitada – LTDA – ou sociedade unipessoal de responsabilidade limitada (a antiga EIRELI, extinta recentemente).

    Cabe aqui uma observação: o Conselho de Recursos Fiscais Administrativo (CARF), órgão julgador de recursos fiscais no âmbito federal, já decidiu que uma clínica médica, ainda que registrada como sociedade simples, pode fazer jus à equiparação hospitalar, desde que o exercício de atividade econômica seja organizado para a produção ou a circulação de bens e de serviços, conforme previsto no art. 966, do Código Civil, atendendo os requisitos necessários para usufruir da redução de base de cálculo para serviços hospitalares, sem a necessidade de registro como sociedade empresária (processo n. 10840.720687/2014-79).

    A Receita Federal, contudo, permanece entendendo necessário o preenchimento dos requisitos legais e, assim, mantém a autuação de sociedades médico-hospitalares com fundamento nas Soluções de Consulta COSIT 162/2014 e 195/2019.

    Esse fato reforça a necessidade de que o planejamento tributário seja elaborado por uma equipe técnica, que resguarde a configuração de procedimentos hospitalares nas atividades realizadas pela sociedade e o enquadramento da atividade econômica organizada.

    Outro ponto importante é que nem a Receita Federal, nem a Justiça admitem que o empresário individual possa ser beneficiário da redução de base de cálculo, pois o entendimento majoritário é o de que o empresário individual não é uma empresa, mas uma pessoa física que tem um registro de CNPJ para se valer da atividade empresarial pessoal, circunstância que acaba não preenchendo o requisito da lei (Solução de Consulta COSIT n. 103/2023).

    Exigências sanitárias da ANVISA.

    Outro ponto de observação necessário é que a clínica médica possua alvará sanitário emitido pela autoridade sanitária local, cumprindo as regras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

    No caso, o estabelecimento deve possuir em seu nome, CNPJ e no endereço de seu funcionamento, o alvará sanitário expedido pela autoridade sanitária competente e do local do endereço de funcionamento. Não se pode confundir o alvará sanitário com o alvará de funcionamento, que normalmente é expedido pelas prefeituras para o simples funcionamento da clínica; são documentos diferentes.

    Serviços equiparados a hospitalares e não meras consultas.

    Por outro lado, o STJ, ao julgar o referido Tema 217, expressou em sua tese um ponto muito importante, que, embora não seja previsto expressamente na lei federal, deve ser observado: a clinica médica, para se valer do benefício fiscal da redução da base de cálculo, não pode exercer somente a prestação de serviços de atendimento médico por consultas, como um simples consultório, mas realizar procedimentos médicos que também poderiam ser realizados no âmbito hospitalar.

    Por isso, a atividade isolada de consultórios não pode se beneficiar da redução legal de base de cálculo.

    Ainda, uma observação realizada no corpo do julgamento do Tema 217 aduz que outras atividades da clínica médica, não relacionadas à atividade equiparada à hospitalar ou acessória, devem ser tributadas pelo percentual padrão (32%) sobre a base de cálculo, ou seja, pode ocorrer a dupla incidência de base de cálculo, seja pelos serviços hospitalares equiparados (com base de 8%), seja por outros não equiparados (32%).

    Clínicas que podem recorrer à recuperação tributária:

      • Clínica de fonoaudiologia
      • Clínicas de cirurgias plásticas
      • Clínicas de fisioterapia
      • Clínicas de oftalmologia
      • Clínicas de ortopedia e traumatologia
      • Clínicas de procedimentos dermatológicos
      • Clínicas e laboratórios que realizam exames de imagem
      • Clínicas odontológicas
      • Clínicas pediátricas
      • Clínicas que fazem exames de diagnósticos
      • Empresas de home care 
      • Entre outras…

      Caso você tenha uma clínica médica e deseja receber uma avaliação de nossos especialistas tributários da Valor Fiscal, entre em contato conosco.

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