Pontos polêmicos da Reforma Tributária aprovada no Senado Federal e alteradas pela Câmara para sua publicação

Pontos polêmicos da Reforma Tributária aprovada no Senado Federal e alteradas pela Câmara para sua publicação

Uma das reformas estruturantes mais aguardadas e importantes dos últimos 30 anos no cenário político e econômico brasileiro é a necessária reforma tributária. E isso não é à toa, pois o Brasil é um dos países que possuem uma das maiores cargas tributárias do mundo e, não bastasse isso, possuímos uma complexa rede de obrigações acessórias que demanda muito tempo, pessoal e inteligência de sistemas para o seu cumprimento. Em outras palavras, é muito caro pagar tributos no Brasil, não só pela carga tributária em si, mas para o cumprimento das obrigações impostas ao contribuinte.

Após a aprovação do texto originário da reforma tributária brasileira (PEC 45/2019) pela Câmara dos Deputados, a qual já comentamos anteriormente, o polêmico texto foi encaminhado para a apreciação do Senado Federal. O texto em si foi aprovado pelos senadores, tendo, entretanto, significativas alterações de texto e a concessão de benefícios fiscais a algumas categorias, obrigando o retorno do texto para votação dessas alterações também pela Câmara dos Deputados. Ontem (20/12/2023), a Câmara dos Deputados aprovou e publicou o novo texto, excluindo diversas das alterações propostas pelos Senadores. Como setrata de Emenda à Constituição Federal, não é necessária a assinatura do texto pelo Presidente da República.

Destacamos, pois, as maiores polêmicas do texto aprovado pelo Senado e as alterações tratadas pela Câmara dos Deputados com a promulgaçao da Reforma Tributária:

1. Simplificação dos tributos sobre bens e serviços

A ideia preliminar da reforma tributária era a simplificação das regras tributárias, com a criação de um tributo único sobre o consumo de bens e serviços, o IVA (Imposto sobre o Valor Agregado), no qual os tributos são cobrados sobre o valor agregado de um bem ou serviço, de forma não cumulativa, ou seja, tudo o que for gasto ou custo é descontado na próxima etapa da cadeia produtiva. E esse tributo único será dual, uma parte sendo destacada para a União, por meio da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), em substituição dos tributos federais PIS, COFINS e IPI, e a outra parte destacada para os Estados, DF e Municípios, por meio do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), em substituição do ICMS e ISSQN, havendo um órgão central nacional que realizará as respectivas distribuições dos recursos entre todos os entes federativos.

Embora o Governo Federal afirme que a Reforma Tributária trará simplicidade ao sistema tributário nacional, sem efetivo aumento de carga tributária, o setor de serviços afirma que acabará ocorrendo sim inevitável aumento da carga tributária, já que as aliquotas são indistintas para o IVA, mas o setor não possui insumos e despesas operacionais quem tem o setor de produção de bens, como anotado em artigo anterior. Então, como os dados do IBGE apontam que o setor de serviços no Brasil alcançam quase 70% do PIB nacional, a reforma tributária tem o potencial de aumentar a arrecadação de tributos atingindo essa importante categoria econômica brasileira, em detrimento do aumento de preços generalizados no que pertence aos serviços agregados à produção de bens.

Na votação da PEC no Senado, foram alocadas diversas mudanças e benefícios fiscais para algumas categorias de prestadores de serviços (escolas, profissionais liberais, bancos, taxistas, clubes de futebol e a indústria automotiva), ampliando a lista de setores privilegiados por alíquotas diferenciadas, o que gerou muita crítica, inclusive do próprio Governo Federal, que afirmou que terá que aumentar a carga tributária dos demais segmentos para compensar a concessão desses benefícios.

De outro lado, as empresas que são optantes pelo sistema do Lucro Presumido reclamam que, de um modo em geral, terão que arcar com alíquotas maiores do que hoje pagam, em vista da extinção do sistema cumulativo do PIS e da COFINS; no entanto, o Governo afirma que essa majoração será anulada pela implantação do sistema não cumulativo para todos os demais tributos que compõem o IVA, de modo que haverá supostos equilíbrio e neutralidade na sua implantação.

2. Alteração dos conceitos sobre “circulação de mercadorias” ou “produtos” para “operações com bens”

O atual sistema do ICMS tributa a “circulação de mercadorias”, ou seja, a transmissão jurídica da propriedade de um contribuinte para outro, dentro da cadeia produtiva, até a sua chegada ao consumidor final. Esse conceito é relevante pois denota a possibilidade da tributação sobre bens enquanto considerados especificamente como “mercadorias”, e não mais produtos. Por sua vez, os mesmos bens, enquanto considerados “produtos”, desde que sejam “industrializados”, são atualmente tributados pelo IPI.

O novo sistema acaba com a diferenciação entre “produto” e “mercadoria” e determina a tributação das “operações com bens”, incluindo nesse conceito bens imateriais. De tal modo, há uma indeterminação sobre o alcance da tributação, já que, pelo texto da proposta, toda e qualquer operação envolvendo bens, seja qual for o seu conceito, poderá ser tributada pelo IVA dual, inclusive sobre bens imateriais, os quais hoje não são atingidos por tributação alguma quando não considerados produtos ou mercadorias (trabalhos artísticos intelectuais, por exemplo).

Há, portanto, um conceito aberto que pode gerar um enorme gama de possibilidades de tributação ao critério da autoridade fiscal que entender o que é uma operação com bens tributáveis.

3. Não distinção clara do IVA para atividades não produtivas de bens e serviços, majorando atividades das holdings

Outro ponto polêmico do texto enviado é que não há uma clara a distinção das atividades não expressamente produtivas (produção de bens ou serviços) para a cobrança do IVA dual.

Um exemplo disso são as holdings puras ou familiares, que nada produzem, mas são remuneradas por conta da sua participação societária em outras empresas ou em decorrência da renda de capital de imóveis próprios. Ora, tais tipos de sociedades tecnicamente não realizam atividades envolvendo a operação com bens (no conceito de circulação de mercadorias ou industrialização de produtos, nem prestam serviços a terceiros), já que elas auferem receita com capitais de investimento (em participações acionárias, societárias ou em decorrência de investimentos imobiliários próprios).

Isso significa que, em tese, sem haver uma distinção sobre o tipo de objeto societário, as holdings puras ou familiares terão uma considerável carga tributária a qual hoje não estão sujeitas, pois a tributação atual está vinculada a determinada modalidade de meio produtivo realizado por cada contribuinte, de forma distinta e individualizada, o que não está expressamente registrado no texto da Reforma aprovada pelo Senado.

2. Alterações na formatação do IPTU

Os proprietários de bens imóveis poderão ter que arcar com aumento, pois a reforma possibilita que as alterações das bases de cálculo do IPTU possam ser definidas por decreto e não havendo mais a necessidade de aprovação por Lei nas Câmaras de vereadores. Com isso, os Prefeitos poderão alterar livremente as bases de tributação sem que a necessidade da discussão legislativa a esse respeito.

As Câmaras de Vereadores do país todo reclamam que haverá um total esvaziamento das funções legislativas dos vereadores, já que caberá ao representante do Poder Executivo municipal decidir sobre as bases de cálculo dos tributos municipais em questão, havendo, então, a violação à independência dos poderes executivo e legislativo.

3. Alterações no IPVA

Outra polêmica da reforma tributária é a inclusão de embarcações e aeronaves particulares no IPVA (tributo estadual sobre a propriedade de veiculos automotores), o que atingiria principalmente os chamados “super ricos”. Isso porque embarcações e aeronaves não são considerados “veículos automotores”, e, por isso, não podem ser tributados pelo IPVA, o que é considerado por muitos uma injustiça fiscal.

No texto da reforma, os legisladores optaram por excluir embarcações de serviços de transporte, pesca e subsistência, bem como aeronaves de serviço e transporte de cargas e pessoas da tributação, o que gerou muita polêmica, pois qualifica o tipo de utilização e não o bem em si sobre a possibilidade de sua tributação, gerando violação ao princípio da isonomia fiscal e ao princípio da capacidade contributiva, já que a utilização de um bem, em si, não pode ser considerado para os fins fiscais.

4. Criação de contribuições sociais estaduais

O texto cria novas contribuições sociais a serem pagas pelos contribuintes aos Estados, DF e municípios: contribuição para a segurança pública e para o fomento dos serviços públicos. No atual sistema só a União podem instituir e cobrar contribuições sociais (aos Estados só é possível cobrar a contribuição sobre a energia elétrica para iluminação das vias públicas).

Como o texto aprovado remete à posterior regulamentação, não há muitas considerações a esse respeito, mas já é possível saber que possivelmente haverão pelo menos duas novas contribuições sociais estaduais a ser suportadas pelos contribuintes.

5. Alterações no imposto sobre as heranças e doações

Antes de o texto da Reforma ser discutido pelo Congresso, o atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, antes mesmo das da conclusão das eleições presidenciais, já havia se expressado que pretendia alterar o imposto sobre as heranças, pois sob o seu entendimento não é possível o acúmulo de capital por herdeiros. Na realidade, nunca foi um pleito dos Estados e DF a alteração ou mesmo a majoração dos impostos sobre heranças e doações, o que denota haver um escopo meramente ideológico sobre tal alteração constitucional.

De qualquer modo, a reforma tributária avançou sobre tal ponto e permitiu a possibilidade de majoração das alíquotas sobre o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e doações (ITCMD), prevendo, inclusive a progressividade em relação ao imposto sobre heranças.

Como o texto ainda demandaria de regulamentação posterior, especialistas na área sucessória estimam que o desejo do Governo Federal é majorar as alíquotas sobre a herança em até 40% sobre o montante herdado, podendo ser superior por outros critérios sociais.

6. Possibilidade de cash back

A reforma tributária alterada pelo Senado previa a criação de uma Cesta Básica Nacional de Alimentos, e uma chamada “Cesta Básica estendida” cujos itens – como arroz, feijão, entre outros – serão isentos de impostos ou com reduçao de impostos. Os produtos da cesta serão definidos por lei complementar, que deverá levar em conta a diversidade regional e cultural da alimentação do país. Ocorre que os alimentos são consumidos por toda e qualquer camada social do Brasil, dos mais ricos aos mais pobres, o que não geraria o efeito social pretendido com a medida.

Assim, a solução seria a criação de um sistema de devolução de tributos aos mais desfavorecidos, para que consigam realizar a aquisição de produtos essenciais mediante um sistema de descontos fiscais realizados em contas de gás, contas de luz e outros produtos, como uma “cesta básica estendida”, voltada exclusivamente para consumidores considerados de baixa renda. A Câmara excluiu do texto a Cesta básica estendida e a possibilidade do cashback, mantendo sometne a “Cesta básica nacional”.

7. Criação do “imposto do pecado”

Diversos produtos que o Governo Federal entende como perniciosos à sociedade, tais como armas de fogo, exceto as voltadas ao serviço público, e outros bens considerados nocivos (álcool, cigarros, etc.), poderão ter uma tributação extra, expressamente voltadas à coibição de seu consumo nacional. A Câmara do Deputados excluiu as armas e munições dessa possibilidade na revisão das alterações propostas pelo Senado.

Além disso, determinados segmentos poderão ter alíquotas majoradas em razão do não cumprimento dos contribuintes de regras de responsabilidade ambiental e social previamente designados, evidentemente aderindo o sistema tributário nacional às pautas de ESG.

De forma mais específica, a PEC 45/2019 inclui na Constituição a previsão de que, entre outros princípios, o Sistema Tributário Nacional observará o da defesa do meio ambiente (artigo 145, §3º).

Neste sentido, a PEC 45, atua na pauta ambiental:

  • 1) sempre que possível, a concessão de incentivos regionais considerará critérios de preservação do meio ambiente (artigo 43, §4º, CF/88);
  • 2) a prioridade para projetos que prevejam ações de preservação do meio ambiente na aplicação dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), um dos instrumentos incluídos na PEC para reduzir discrepâncias entre os estados brasileiros (artigo 159-A, CF/88);
  • 3) a criação de regimes fiscais específicos sobre “bens e serviços que promovam a economia circular e a sustentabilidade no uso de recursos naturais” e “para a microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica, incluindo o SCEE” (artigo 156-A, §6º, IX e X,  CF/88); e
  • 4) que a tributação de biocombustíveis, inclusive de hidrogênio verde, será inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis (artigo 225, §1º, VIII, CF/88).

Além do mais, o imposto seletivo incidirá sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente (artigo 153, VIII, CF/88), abordagem que tem o potencial de contribuir para a causa ambiental de várias maneiras, ainda que caibam críticas à previsão de sua incidência sobre a “extração”, por ser potencialmente contraditório com a lógica do próprio seletivo.

8. Necessidade da divulgação de estudos e pareceres para edição de novas regras tributárias

A alteração proposta pelo Senado Federal previa que os entes públicos (União, Estados, Distrito Federal e municípios) só poderiam editar normas infralegais sobre matéria tributária franqueados por uma ampla publicidade aos estudos e pareceres que as embasaram, justificando os mesmos e apresentando à sociedade uma prestação de contas a respeito dessas normas tributárias; no entanto, a Câmara reviu a matéria e suprimiu essa vedação no novo texto.

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